
Cuidados na hora de formalizar renegociação de dívidas
Passados mais de 03 meses do início do fechamento do comércio em muitos locais do país no mês de março de 2020, por conta da Pandemia do Covid-19, já se tem uma visão mais lúcida da crise econômica que instalada em vários setores do mercado nacional e internacional.
Segundo estudos do Fundo Monetário Internacional (FMI)[1], há estimativa de queda do Produto Interno Bruto (PIB) do Brasil no percentual de 9,1%, o que representa a maior retração desde o início do século passado até o presente momento. O cenário mundial é menos drástico que o brasileiro, pois há uma expectativa de queda do PIB em torno de 3%[2]. Já a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) vislumbra um cenário brasileiro ainda pior, com recuo do PIB em torno de 7,4%[3]. É algo nunca antes vivido no mercado nacional.
E ainda sem alcançarmos o ápice da “tragédia” econômica, já se vislumbra os conflitos nas relações tipicamente mercantis e de consumidor no que diz respeito ao cumprimento de obrigações contratadas antes do início da pandemia e que são de trato sucessivo ou tem o seu cumprimento ainda pendente a termo futuro.
Alguns números já registrados em tribunais trabalhistas[4] e da justiça comum já dão um indicativo da judicialização de casos em que, por evidente, as partes não ajustaram de forma prévia uma renegociação que ponderasse o atual cenário econômico e a realidade fática de cada uma delas.
E é nesse cenário que o acordo direto extrajudicial entre as partes ganha importância impar para não causar um prejuízo ainda maior à relação entre empresas e fornecedores e entre empresas e clientes, que poderá servir de obstáculo, quiçá impedimento completo, à própria continuidade das atividades de determinada empresa. Porém, apesar de ser o melhor caminho para evitar uma judicialização desnecessária sobre determinada divergência entre pessoas ou empresas, não se pode perder de vista alguns cuidados mínimos para tornar uma renegociação formalmente válida e eficaz.
A renegociação de contrato consiste num verdadeiro negócio jurídico tendente a criar novos direitos, modificar já existentes ou mesmo extinguir a relação jurídica entre as partes. E, como tal, deve contemplar todos os requisitos legais para a sua validade tal como se fosse iniciar a lavratura de um contrato.
De início, é preciso ter em vista que o contrato consiste no pleno exercício da autonomia da vontade, e que, portanto, nenhum dos contratantes pode ter a sua manifestação de vontade maculada por qualquer vício (erro, dolo, coação…).
A lei até prevê a possibilidade de manifestação tácita em determinado contexto, admitindo inclusive o silencio[5] como anuência em determinado contexto. Porém, é inegável que a manifestação expressa e específica confere uma segurança jurídica muito maior, o que, numa futura divergência, poderá ser o catalisador da melhor compreensão do contrato.
Quanto à validade da renegociação, há de se observar os requisitos do art. 104 do Código Civil, agente capaz, objeto lícito, possível e determinado ou determinável, e forma não proibida em lei. E quanto à eficácia, as partes devem deixar claro eventual condicionante ou termo para que a renegociação contratual gere os efeitos pretendidos (ex.: fixar uma data para inicial o pagamento de uma dívida).
Com base nessas premissas legais, e sem intenção de discorrer sobre cada uma delas (o que levaria a um trabalho acadêmico extenso), é possível fazermos um checklist mínimo para elaboração de um termo de renegociação juridicamente seguro:
- capacidade das partes: se não for a pessoa física que consta no contrato, deve-se verificar se quem vai assinar a renegociação realmente tem poderes para falar em nome de determinada pessoa ou empresa;
- considerações preliminares: não é item obrigatório, porém é cuidado importante para evidenciar a intenção das partes na assinatura da renegociação. Nas considerações preliminares é interessante fazer referência ao contrato original, aos motivos que levaram as partes a fazer a renegociação e a questões particulares importantes sobre a condição pessoal de qualquer das partes que justificou eventual inadimplemento (ex.: pandemia da Codiv-19);
- descrição do objeto: detalhar os termos das novas obrigações ajustadas e daquelas que deixaram de fazer parte da relação jurídica entre os contratantes. No caso de permuta ou dação em pagamento, descrever em detalhes mínimos os bens que passarão a fazer parte do negócio; detalhar os números e encargos que foram e serão utilizados para calcular a dívida em espécie;
- termos e condições: fazer em cláusula específica a menção de datas e/ou dos fatos que servirão de situações para fazer com que as obrigações novas passem a gerar efeitos. Ex. de termo: a primeira parcela da dívida vencerá em data xx/xx/xxxx; ex.: de condição: a primeira parcela da dívida terá como vencimento o primeiro dia de aula após a pandemia;
- forma do documento: apesar do art. 107 do Código Civil indicar que a declaração de vontade não tem forma especial, salvo quando a lei expressamente assim exigir, é fato que a forma mais segura de garantir uma boa renegociação é por meio de documento escrito, físico ou eletrônico, assinado fisicamente ou por meio de sistema de autenticação digital.
- Outras formas de renegociação: na dinâmica do cotidiano das pequenas empresas, não é raro acontecer negociações por e-mail ou até mesmo aplicativos de conversa. Como dito, a regra geral é no sentido de não haver forma específica para realizar a manifestação de vontade, porém a falta de descrição do objeto, de termos e condições para não deixar evidenciado a realização de uma renegociação. Ou seja, numa situação informal assim, e havendo dubiedade quanto aos termos descritos, é possível que se tenha indícios de uma possível renegociação do que propriamente um ato negocial formalizado entre as partes.
Em desfecho, há importantes e efetivos mecanismos para que o empresário, as micro e pequenas empresas, lancem mão para, no meio desta crise econômica, possam formalizar renegociações juridicamente seguras das suas relações jurídicas com fornecedores e clientes, e evitar futuras demandas junto ao Poder Judiciário.
Equipe Baião & Filippin
[1] https://www.infomoney.com.br/economia/fmi-corta-projecao-para-o-pib-do-brasil-em-2020-para-recuo-de-91-em-2020/, acessado em 25/06/2020.
[2] https://www.dw.com/pt-br/brasil-caminha-para-maior-crise-econ%C3%B4mica-de-sua-hist%C3%B3ria/a-53488177, acessado em 22/06/2020.
[3] https://www.infomoney.com.br/economia/ocde-projeta-queda-de-74-do-pib-do-brasil-em-2020-e-ve-crise-ainda-pior-na-al-em-caso-de-2a-onda-da-covid-19/, acessado em 22/06/2020.
[4] https://www.datalawyer.com.br/dados-covid-19-justica-trabalhista, acessado em 22/06/2020.
[5] Art. 111. O silêncio importa anuência, quando as circunstâncias ou os usos o autorizarem, e não for necessária a declaração de vontade expressa.