
Em menos de 30 dias, a nação brasileira passou a figurar no rol dos países com inúmeros casos de coronavírus e viu a sua economia ruir diante dos dados alarmistas veiculados nos noticiários e nos anúncios das autoridades nacionais, a exemplo do que ocorre no mundo inteiro.
Medidas normativas estaduais e municipais determinaram o fechamento do comércio em vários estados e municípios, dando início a crise econômica que culminaria, em poucos dias, numa situação preocupante com relação à saúde financeira da iniciativa privada brasileira.
Independente do acerto ou não da quarentena imposta, é fato que ela ocorreu (e ainda se opera em vários lugares ao tempo deste artigo) e trouxe consigo consequências econômicas e jurídicas.
Milhares de empresários, já alavancados com créditos tomados em bancos, viram-se desprovidos de faturamento ao tempo em que ainda comprometidos junto aos credores bancários. Seria o caso de exonerar a mora por conta de caso fortuito ou força maior? Estaria presente a possibilidade de revisão judicial do contrato?
Primeiro, com relação à eventual mora do cliente junto ao banco no período crítico da pandemia do coronavírus, com o cerramento das portas do comércio, parece-me evidente que se trata de um caso de fortuito ou força maior, na forma prevista no artigo 393, do Código Civil[1], aplicado subsidiariamente às relações de consumo.
A situação de completo impedimento de exercício do comércio por determinação do poder público revela, sim, um evento extraordinário e que, até o festivo mês de fevereiro/2020, era imprevisível e inevitável, sob pena de ser compulsoriamente impelido não desempenhar o seu negócio. E mais do que isso, para além da falta de condições de realizar a atividade empresarial, há todo o contexto de retração do consumo da grande maioria de produtos, posto que a população, em modo de alerta, restringiu-se a comprar produtos tidos como essenciais (alimentos e remédios).
No parecer da Senadora Simoni Tebet, para aprovação do Projeto de Lei n.º 1.179/20 (
Regime Jurídico Emergencial e Transitório (RJET), em 03/04/2020, consta textualmente que “a pandemia é o clássico exemplo do que dispõe o art. 393 do Código Civil.”
Se assim o é, duvidas não há quanto à exclusão dos efeitos da mora na ausência de cumprimento das obrigações contratuais junto às instituições financeiras, no período após o dia 20/03/2020 (data indicada no projeto de lei para efeitos jurídicos da pandemia). Em alguns estados e municípios, esse prazo poderá ser questionado em juízo, já que autoridades municipais e estaduais se anteciparam nas medidas restritivas como se viu em Santa Catarina, por exemplo.
Porém, exclusão dos efeitos da mora (juros, multa, rescisão antecipada do contrato etc) não encerra o problema junto aos bancos. O cenário que se avizinha na economia ainda é nebuloso e pessimista, pois sobram relatos de falta de caixa para pagamento até mesmo daquilo que são prioridades para o funcionamento de qualquer empresa, pessoas e matéria prima.
Há, nesse segundo momento, a possibilidade de revisão de contrato junto aos bancos, não com base nos dispositivos do Código Civil, mas sim nas normas consumeristas. Explico.
Previamente, é necessário ter em vista que a relação entre empresário, micro e pequena empresa perante os Bancos é uma relação de consumo, cuja principal legislação de regência é a Lei n.º 8.078/90 (Código de Defesa do Consumidor – CDC). Essa compreensão está sedimentada na jurisprudência nacional, forte na Súmula n.º 297 do Superior Tribunal de Justiça (STJ).
E o artigo 6.º do CDC dispõe que: “São direitos básicos do consumidor: (…) V – a modificação das cláusulas contratuais que estabeleçam prestações desproporcionais ou sua revisão em razão de fatos supervenientes que as tornem excessivamente onerosas;”.
É uma norma de alcance maior e mais protetora do que aquelas normas civis que fundamentam a possibilidade de resolução ou revisão de contrato diante de um fato extraordinário. São marcos teóricos distintos, mas com efeito prático muito grande, pois o consumidor (parte mais vulnerável da relação) tem o caminho mais facilitado para, judicialmente, exigir a revisão dos termos do contrato.
Evidentemente a revisão contratual não ocorre ao acaso ou com simples indicativos de impossibilidade de cumprimento das obrigações junto ao Banco. Cabe ao empresário, à micro e/ou à pequena empresa, demonstrar,pelo menos:
- os efeitos da derrocada da economia na sua atividade (pois nem todos os comércios tiveram prejuízos, já que alguns poucos até aumentaram a sua receita);
- a onerosidade excessiva para cumprimento das obrigações contratuais;
- indicações claras e reais de medidas que restabeleçam o equilíbrio contratual.
Em que pese a revisão contratual se opere em juízo, não se pode descartar a importante tentativa extrajudicial prévia de renegociação de dívida ou das cláusulas do contrato junto a instituição financeira. Ainda mais que, no dia 16/03/2020, foi publicada a Resolução n.º 4.782, pelo Banco Central, determinando critérios mais brandos para reestruturar operações de crédito tanto para pessoa jurídica quanto para pessoa física.
Esta resolução suspendeu a incidência de alguns critérios que as instituições financeiras deveriam observar para classificar como “ativo problemático” no seu gerenciamento de risco, tais como, “§ 1º Os indicativos de que uma obrigação não será integralmente honrada incluem: I – a instituição considera que a contraparte não tem mais capacidade financeira para honrar a obrigação nas condições pactuadas;” (art. 24, § 1.º, inciso I, da Resolução n.º 4.557/2017).
Em desfecho, há importantes e efetivos mecanismos para que o empresário, as micro e pequenas empresas, lancem mão para, no meio desta crise econômica, não sejam vitimados pelos contratos celebrados em momento distintos junto às instituições financeiras.
[1] Art. 393. O devedor não responde pelos prejuízos resultantes de caso fortuito ou força maior, se expressamente não se houver por eles responsabilizado. Parágrafo único. O caso fortuito ou de força maior verifica-se no fato necessário, cujos efeitos não era possível evitar ou impedir.
Autores: Valmor Filippin e João Paulo de Mello Filippin